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INOVAÇÃO: QUANDO MENOS É MAIS

A Administração é uma área repleta de crenças repetidas insistentemente por gurus, coaches e consultores mais preocupados em falar o que seus públicos gostam de ouvir do que disseminar conhecimento de verdade. Uma das crenças prevalentes entre esses profissionais é a de que empresas precisam inovar constantemente para não ficarem em posição insustentável em seus mercados. Será que o segredo é esse? A realidade mostra que, talvez, as coisas sejam um pouco mais complexas.

A inovação pode ter um papel importante para uma empresa obter uma posição competitiva significativa em seu mercado. Basicamente, quando afirmamos isso estamos admitindo a possibilidade de dois tipos de inovação que podem ser adotadas isolada ou simultaneamente pelos administradores.

O primeiro tipo são as inovações gerenciais. Elas são definidas como as práticas que mudam a maneira pela qual os administradores alocam os recursos e competências para executar as tarefas, atividades e processos da empresa. A história mostra que muitas empresas se beneficiaram substancialmente desse tipo de inovação. Na década de 1920, o presidente e CEO da General Motors, Alfred Sloan Jr., adotou uma série de inovações que revolucionaram a administração da empresa e contribuíram enormemente para que ela se tornasse uma das maiores do mundo. Conceitos que são comuns a nós hoje nasceram nessa época: estrutura divisional, obsolescência programada, controle financeiro, entre outros foram algumas das inovações mais destacadas. Nos anos 1960 e 1970 diversas indústrias japonesas obtiveram expressivos ganhos de produtividade adotando princípios que, mais tarde, ficaram conhecidos como controle da qualidade total (TQC). Técnicas como a metodologia de análise e solução de problemas (MASP), diagrama de Ishikawa - ou espinha de peixe - e controle estatístico de processo são contribuições importantes do TQC até os dias de hoje.

O segundo tipo são as inovações tecnológicas, que se subdividem em incrementais ou disruptivas. As primeiras referem-se às mudanças que aperfeiçoam uma ou mais características de um produto já existente. A indústria automobilística é um exemplo de setor que recorre à inovação incremental continuamente. As montadoras lançam um modelo de automóvel em um ano e passam os períodos seguintes fazendo mudanças pouco significativas nele. Por exemplo, mudando as lâmpadas dos faróis para LED, colocando mais frisos na lateral do veículo, alterando o design do painel, entre outras.

Ao contrário do que muitos possam pensar, as inovações incrementais são importantes para as empresas obterem uma posição competitiva relevante no mercado. A lógica central é que elas podem ajudar a manter o interesse dos consumidores no produto e, dessa forma, alargando as fases do seu ciclo de vida que são mais importantes para a empresa obter lucro econômico. Em outras palavras, inovações incrementais podem prolongar a fase de maturidade do ciclo de vida do produto, adiando a fase de declínio, caracterizada por vendas e participação de mercado decrescentes. Não é à toa que a Volkswagen do Brasil insistiu tantos anos com o Fusca, a Kombi e o Gol, introduzindo mudanças incrementais nesses modelos, mesmo quando eles já estavam claramente ultrapassados para o mercado nacional.

O segundo tipo são as inovações disruptivas. Elas são definidas como mudanças que redefinem um produto ou mercado ou criam novos segmentos. Na década de 1980, a Sony revolucionou o mercado de música com o lançamento do seu Walkman. Esse produto incorporou o conceito de entretenimento móvel, permitindo que os consumidores ouvissem suas músicas favoritas - gravadas em fitas K7 - em qualquer lugar: ônibus, metro, casa, trabalho, e assim por diante. Esse conceito foi a base de outra inovação, o videocassete, também lançado pela Sony na década de 1970. Nos anos 2000, a Apple criou novos segmentos de mercado que mudaram a indústria com uma impressionante sequência de produtos disruptivos: iPod, iPhone e iPad.

Inovações disruptivas são importantes, mas é ilusório acreditar que qualquer empresa tenha condições de desenvolvê-las. Essa é uma das falhas fundamentais dos discursos dos gurus, coaches e consultores. Quando eles destacam a importância da inovação estão usualmente se referindo à sua versão disruptiva porque ela é mais atraente para vender palestras, cursos e treinamentos. Ao fazerem isso, eles, infelizmente, vendem a ilusão de que garra, vontade e perseverança são a chave para esse tipo de inovação. Eles, portanto, ignoram a relevância das pequenas mudanças, representadas pelas inovações incrementais, que poderiam melhorar - e muito - a posição competitiva da empresa.

Vamos considerar o exemplo da indústria moveleira. Um dos seus grandes motores hoje são os móveis “prontos para montar”, ou seja, aqueles que o consumidor compra em lojas como a Leroy Merlin para montar em casa. Pode não parecer, mas essa foi uma inovação incremental de grande relevância. Os pesados móveis do passado ainda têm espaço no mercado. Mas os administradores das empresas moveleiras entenderam que os consumidores estavam se mudando para os pequenos apartamentos das grandes cidades e isso diminuiria bastante a fatia de mercado dos produtos tradicionais. Mais do que isso, esses administradores enxergaram que esse consumidor urbano queria móveis bonitos e de boa qualidade, porém funcionais e que eles mesmos pudessem montar com a ajuda de instruções fáceis de entender. Abriu-se, portanto, um novo mercado que continua sendo bem explorado pelas empresas do setor. Para isso, contudo, os administradores tiveram que introduzir mudanças no processo de fabricação dos móveis que podem ser classificadas como incrementais. As mesas dos home offices de hoje continuam sendo mesas com tampa e pés, mas as inovações incrementais as tornaram mais leves, fáceis de montar - e baratas.

A inovação é uma das mais importantes fontes de lucros econômicos para uma empresa. Nós, porém, devemos entender que nem todas as empresas têm os recursos e capacidades necessários para desenvolver a forma mais atrativa de inovação, que é a disruptiva. Mesmo quando os têm, as pequenas mudanças, representadas pelas inovações incrementais, podem ter um importante papel no posicionamento competitivo da empresa. A Apple de hoje é um exemplo disso. Depois a morte do inovador Steve Jobs em 2011, ela passou a ser administrada por Tim Cook, ex-COO (chief operating officer) da empresa. O ciclo de inovações disruptivas trazidas pelo iPod, iPhone e iPad cessou, sendo substituído por inovações incrementais do hardware e software dos produtos. Há anos a Apple não lança produtos revolucionários, mas continua sendo uma das empresas mais valiosas do mundo e detentora de um caixa invejável. Seus indicadores de valuation estão entre os melhores das big techs e não há qualquer indício de que essa situação possa mudar no médio ou longo prazos. É um colosso financeiro, sustentado por inovações incrementais. Pelo menos no caso da Apple, menos pode ser mais.

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