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INTERNACIONALIZAÇÃO EM MERCADOS COMPETITIVOS

O nível de competição do mercado é um aspecto fundamental para os administradores escolherem a estratégia mais adequada para a empresa. Ordinariamente, em mercados menos competitivos há menor variação nas vendas e isso implica mais previsibilidade sobre aspectos importantes do desempenho econômico-financeiro da empresa. Por outro lado, se o nível de competição for significativamente elevado, essa variação tenderá a ser expressiva, estimulando os administradores a buscarem estratégias que possam representar mais segurança e previsibilidade para a empresa.


Há várias estratégias para os administradores lidarem com esses mercados com intensa competição. A internacionalização é uma das mais conhecidas, embora ela seja usualmente tratada de maneira superficial. Isso ocorre porque muitos administradores costumam entender a internacionalização como uma mera expansão da área de atuação da empresa. Nessa visão, ela consistiria em uma mera mudança no posicionamento da empresa, que passaria a atender consumidores no exterior enquanto mantém sua atuação no mercado doméstico.


Essa concepção de internacionalização não é propriamente equivocada. Ela, porém, deixa de lado aspectos importantes para os administradores terem uma noção mais realista da sua essência e de suas implicações. Para explorarmos melhor esse argumento, vamos usar uma das definições mais comuns de internacionalização:


É o planejamento, implantação e controle de ações que levam uma empresa doméstica a ingressar em um ou mais mercados no exterior.


Essa definição nos mostra que os administradores da empresa não escolhem determinada estratégia de internacionalização aleatoriamente. Pelo contrário, essa escolha baseia-se em uma convicção inicial de que é preciso expandir as operações da empresa, abarcando mercados localizados no exterior. Quando essa convicção inicial se torna firme na mente dos administradores, eles iniciam a segunda etapa, que é planejar a internacionalização.


Eu já escrevi sobre o planejamento, definido como uma das quatro funções básicas da administração de empresas. Você pode ler o texto completo clicando aqui.


O planejamento alinha expectativas dos administradores sobre eventos críticos para a empresa com as ações consideradas necessárias para que eles ocorram da maneira esperada. No caso da internacionalização, dois exemplos hipotéticos ilustram melhor essa afirmação. No primeiro, os administradores poderiam estar otimistas sobre a aceitação do seu produto em um mercado no exterior - um evento crítico -, motivando-os a planejar a engenharia financeira necessária para implantar uma fábrica em outro país - ação necessária. Isso é o que chamamos de internacionalização greenfield, que ocorre quando uma empresa doméstica estrutura sua operação estrangeira a partir do zero.


O segundo exemplo: prevendo que a entrada da empresa em um mercado estrangeiro demandará muitos investimentos - evento crítico -, seus administradores planejam a aquisição de uma empresa já estabelecida no exterior, usando a fábrica como base de operações nesse novo mercado - ação necessária. Nesse caso, temos uma internacionalização do tipo brownfield, na qual uma empresa doméstica adquire o controle de uma congênere que opera no exterior.


Como vimos, o planejamento alinha expectativas e ações necessárias. Após concluírem essa fase, os administradores precisam iniciar a próxima: a implantação daquilo que foi planejado. Isso envolve duas funções da administração, que são a direção e a organização. Eu também escrevi mais detalhadamente sobre elas e você pode ler os textos clicando em: direção e organização.


Basicamente, essas duas funções permitem que os administradores executem as ações planejadas com lógica e consistência. Dessa forma, eles podem mitigar os problemas que inevitavelmente surgirão da implantação de qualquer ação. Afinal, o mundo real costuma ser diferente daquele que criamos em nossas mentes e que representamos nos nossos planejamentos. Essas discrepâncias, portanto, fazem parte das dores do ofício de gerenciar empresas.


O último elemento da definição de internacionalização é controlar as ações. Isso nos remete à função de controle, sobre a qual você pode ler mais detalhadamente aqui.


Há pessoas que ficam preocupadas quando ouvem falar de “controle”. Ele, porém, é sinônimo de monitoramento, ou seja, de acompanhamento dos resultados das ações que estão sendo implantadas. A estratégia de internacionalização frequentemente envolve gastos consideráveis e isso exige que os administradores acompanhem o que está acontecendo. Controlar ou monitorar, portanto, é um aspecto fundamental do gerenciamento de empresas que jamais deve ser deixado de lado.


Planejamento, implantação e controle são elementos essenciais de qualquer estratégia de internacionalização, como nos mostra sua definição. Eles precisam estar bem articulados para que os administradores obtenham sucesso no objetivo de levar as operações da empresa para um ou mais mercados no exterior. Isso parece fácil, mas a prática costuma amenizar a empolgação de administradores que vêem na internacionalização a solução de boa parte de seus problemas. Dois casos ilustram isso.


O primeiro é a Stefanini, empresa nacional criada em 1987 para fornecer tecnologia de informação para projetos de desenvolvimento. Rapidamente, a empresa tornou-se o maior provedor de serviços de tecnologia da informação na América Latina, contando com o trabalho de mais de 23 mil profissionais.


A Stefanini desenvolveu competência de gerenciar projetos em vários países latino-americanos, o que foi fundamental para que ela se beneficiasse triplamente. O primeiro benefício foi que a diretoria e demais funcionários se acostumaram a trabalhar com clientes estrangeiros ao ponto que tudo se tornou natural na cultura da empresa. O segundo foi a contínua interação com pessoas de outros países, que deu à equipe da Stefanini a capacidade de lidar satisfatoriamente com diferentes culturas e visões de mundo. O terceiro benefício foi que essa equipe teve a oportunidade de paulatinamente criar protocolos de projetos para atender clientes internacionais. Somando tudo, as operações latino-americanas deram à Stefanini uma invejável competência para expandir sua atuação para além do continente.


Isso não tardou a ocorrer. Em 2017, ela já era uma das poucas empresas brasileiras realmente globais, competindo com as tradicionais IBM, Tata Consultancy Services (TCS) e Accenture. Nessa época, a Stefanini atuava em mais de 41 países, obtendo receitas anuais superiores a 800 milhões de dólares. Cerca de 60% delas vinham de projetos localizados fora do Brasil.


Os administradores da empresa, porém, não obtiveram esses resultados apenas implantando as práticas de internacionalização previstas nos manuais gerenciais. Por trás das ações tomadas pela Stefanini havia a percepção generalizada de que mercados diferentes precisavam de métodos diferentes. Para a direção da empresa e seus funcionários, ser uma empresa global significava entender o mundo, mas também o mercado doméstico. Nessa lógica, europeus compram serviços de maneira diferente dos norteamericanos e essas discrepâncias existem mesmo entre povos de um mesmo continente, como é o caso de alemães e espanhóis, por exemplo. Para a Stefanini, a internacionalização só tem chances de ser bem sucedida quando tanto os mercados globais quanto locais são conhecidos e entendidos pelos administradores da empresa.


O segundo caso é o Banco do Brasil. O setor bancário mundial há décadas conta com bancos globais como HSBC e Citigroup, entre outros. Em anos recentes, muitos bancos de países emergentes adotaram estratégias de internacionalização. Na Rússia e Sérvia vários deles fizeram investimentos greenfield no Báltico, Europa Ocidental, China e Índia. Bancos chineses optaram por uma internacionalização brownfield, adquirindo outros bancos em Hong Kong, Macau, África do Sul, Europa Ocidental e Estados Unidos.


No Brasil, já em 2012 muitos dos principais bancos nacionais atuavam no exterior e tinham planos de continuar sua expansão em terras estrangeiras, como Itaú Unibanco e do Bradesco. Ainda assim, a presença desses bancos era muito pequena quando comparada aos seus congêneres de outros países. Por exemplo, nessa época, Banco do Brasil e Itaú Unibanco operavam em 23 e 20 países, respectivamente. Já o Citigroup atuava em 160 países e o HSBC, em 81 países.


A diretoria do Banco do Brasil resolveu reforçar essa presença internacional. Para isso, ela aumentou os investimentos do banco nos Estados Unidos, Europa, América do Sul, Ásia e África. Ou seja, o objetivo era uma expansão generalizada na maioria dos continentes.


Para isso, a diretoria desenvolveu uma estratégia específica para atacado ou varejo focada em empresas brasileiras ou locais e em pessoas físicas. Outro pilar da estratégia internacional do banco foi manter escritórios especializados por função ou linha de negócios.


Apesar do planejamento criterioso, o Banco do Brasil não foi tão bem sucedido quanto a Stefanini na internacionalização. Um dos principais problemas enfrentados pelo banco foi a falta de uma cultura interna voltada para operações em outros países e que considerasse as idiossincrasias de cada um. Isso dificultou bastante o trabalho dos funcionários, acostumados com as regras padronizadas do mercado brasileiro. Outro problema foi que o banco investiu muito na internacionalização por influência do então presidente Lula, que queria aproveitar a grande visibilidade do país trazida pela futura realização da Copa do Mundo e da Olimpíada. Logo, os investimentos foram feitos durante uma janela de oportunidades que passou.


Atualmente, o Banco do Brasil continua aumentando suas operações no exterior, mas sob uma visão mais técnica e menos política. Isso significa que a direção do banco está prezando o cenário de longo prazo, deixando de lado as demandas mais imediatas dos atores políticos.


Os casos da Stefanini e do Banco do Brasil mostram que a internacionalização pode ser uma boa estratégia para empresas que atuam em mercados competitivos, mas está longe de ser a panaceia para todos os males. A Stefanini usou sua capacidade única de lidar com negócios na América do Sul para expandir suas operações em outros continentes. Ela contava com uma cultura interna consolidada nesse sentido, o que significava funcionários mais que preparados para atuar nos inevitáveis conflitos entre pessoas com diferentes visões de mundo. O Banco do Brasil, por outro lado, lastreou sua estratégia no tamanho da sua operação brasileira e no atendimento das demandas políticas da ocasião. A empresa obteve algum sucesso, mas ainda precisa evoluir muito para se tornar um banco realmente global.


Em suma, nenhum administrador deve considerar a internacionalização como algo a ser buscado sempre. Eventualmente, há empresas que podem não estar devidamente preparadas para dar esse importante passo. Nesses casos, a internacionalização pode deixar de ser uma estratégia potencialmente promissora para tornar-se fonte de tormento e arrependimento para os administradores.

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